Texto por: Pedro Gonçalves
“23/04/2057
O QUE FORAM AS REDES SOCIAIS?
E POR QUE NÃO DEVEMOS ESQUECÊ-LAS?
Henrique F. Silveira
Já não sabemos o que é usar um dispositivo para acessar a internet. Ligar um desktop, abrir um notebook, pegar um celular para conferir as redes sociais ou ver se há mensagens pendentes, são ações que nossos pais faziam. Que engraçado essa ideia tão analógia, de precisarmos estar com algo para recebermos informações que hoje, se necessário, as lemos na mesa de jantar, ouvimos pelo display do carro ou de qualquer outro dispositivo menor em nossas casas.
Falando nisso, as casas já sabem o que queremos ver e ouvir. Em certo ponto voltamos aos tempos da televisão onde as ligávamos para nos distrairmos, e tínhamos que assistir o que estava passando. Do mesmo modo, hoje quando a tela liga são programas que gostaríamos de assistir, previstos por algorítmos e pela inteligência que já sabe o que colocaríamos.
Meu dia foi estressante, eu só precisava de algo engraçado, e foi logo um programa de humor que o sistema separou. Não me lembro a última vez que coloquei em algo do tipo, mas lá estava. Engana-se quem pensa que moro em casa de luxo ou gozo de uma realidade financeira boa, muito pelo contrário, ganho um salário mínimo e meio assim como minha mulher. Sorte que ainda não temos filhos, a realidade seria muito mais difícil. Mas a tecnologia torna-se mais acessível a cada dia, nós já somos dependentes dela para quase tudo, confesso que às vezes cansa e me preocupa.
Enfim, sei que não interessa minha vida, mas era necessário identificar nosso atual estado para compararmos com um tempo recente. Não usamos redes sociais há anos, peguei o final disso tudo quando mais novo, no grande colapso lembro-me de meus pais comentando sobre, funcionamento engraçado aquele. Tudo que relato foi por estudos e por comentário não só de meus pais, mas dos que também vivenciaram. As pessoas viviam para a aparência, precisavam criar materiais e mais materiais para aparecer, imagem disso e daquilo, os perfis pessoais eram alegria pura, críticas sociais forçadas, alguns posts que se perdiam em meio aos algoritmos ainda primitivos e críticas rasas exatamente sobre esse uso das redes.
A ideia funcional para divulgação e socialização era fascinante, se analisássemos como ferramenta de fato. O quão incrível era você conseguir conversar, ou ao menos receber uma curtida de algum artista que você admirava? Sua amplitude é de fácil justificativa e não há como negar. Mas a sociedade estava perdida no que queria, o que buscava e tampouco sabia do que precisava – Não mudamos muito-. Havia uma necessidade frequente de ser feliz, a desigualdade criou bolhas que fazia com que o mais pobre achasse que se investisse seu único dinheiro, chegaria aos milhões com a mesma facilidade que a pessoa sorridente das capas dos livros e páginas digitais dizia ter chegado.
“Que evolução social viria de um povo que era levado a consumir livros de autoajuda e de como ficar rico com facilidade?”
Dizia minha mãe indignada sempre que via esses livros nas estantes como mais vendidos.
Os aplicativos eram um mar de depressão enrustida, de desinformação, ataques de ódio, e falsas vidas que mesclavam-se em algo até hoje estudada por qualquer sociólogo. Gosto de usar a definição do meu antigo professor:
“A baderna e a doença que as redes sociais tornaram-se, foi nada mais do que o real estado mental daquela sociedade”.
Pessoas felizes, soluções baratas para problemas pontuais, discussões políticas e nada, nada que resolvesse os verdadeiros embates da realidade. Alguns diziam que haveria um colapso das redes sociais, outros desacreditavam, meu pai dizia não saber e só esperava. Aconteceu. De forma muito pior do que imaginávamos. Na pandemia em 2020 a ignorância reinou aqui no Brasil. Para alguns não era tudo isso, a economia não podia parar, e tínhamos que voltar a trabalhar… Anos depois a pobreza era ainda maior, muito maior. A depressão e estresse pós traumático por todas as perdas nas mortes pela pandemia cresceram de forma descomunal, mas precisávamos ser felizes nas redes sociais. Podíamos aproveitar para consumir os conteúdos de entretenimentos, nos alegrarmos, entretanto não éramos nós quem mandávamos no que aparecia no feed. E quem garantia que o que apareceria no feed era saudável?
As publicações aumentaram, o público precisava de esperança e também mostrar que tinham esperança… O vício no celular aumentou, era algo barato, uma simples ferramenta de bolso para fugir daquela realidade suja, triste e cansativa. Em contrapartida, atrás das pequenas telas, o povo estava cansado, desiludido, alguns com empregos ganhando pouco, outros sem e buscando auxílios públicos que demoravam pela grande demanda, além dos muitos que precisavam, passavam por todos os problemas diários, mas entravam em dilemas consigo mesmos, pois seus ídolos viviam como se nada tivesse acontecido. “Você pode buscar suas próprias coisas, pois a luta torna tudo melhor; basta acreditar, lutar por aquilo e não depender do governo, isso é coisa de vagabundo” Diziam eles. Era errado para alguns influenciadores usar do seu próprio direito como cidadão. As pessoas adoeceram, viraram zumbis dependentes da internet para receberem prazeres momentâneos de uma falsa crença em dias melhores, de que a vida era boa e engraçada apesar de tudo.
O colapso das redes sociais não demorou para acontecer. Ele na verdade foi social, contudo a ferramenta que foi tão boa para o marketing, revolucionário para as vendas, não fora tão bem usada. Somos bons até hoje nisso, em deturpamos a real função das coisas. Por trás do palco, enquanto tudo isso acontecia, após a pandemia os governos em diversos países começaram a ser mais brutos quanto ao monitoramento dos cidadãos. Privacidade com a tecnologia já havia se tornado uma ilusão há anos, mas aquilo reforçou na visão dos governos a necessidade de monitorar e controlar, de forma sutil, ainda mais as massas que tornavam-se prejudiciais para si mesmas. Era necessário saber quem estava chegando, saindo, se possuía doenças, do que falavam, quais suas intenções… Além disso, com tamanha desigualdade e ruína social, um monitoramento forte era necessário para segurança pública, afim de que se houvesse um mínimo de controle. Muitos que pediam intervenções militares, ali recebiam quando não seguiam normas mínimas de saúde obrigatórias pós pandemia. A ironia era cômica, uma piada em tempos difíceis. Informação já tinham seu valor, mas para os estados, foi lá que elas se tornaram ouro.
Anos após tudo isso, em 2043, as redes sociais entraram em desuso; as vidas seguiram e a sociedade foi se adaptando a brusca realidade que as foi imposta. Muito desse desuso, não foi pelo colapso, as pessoas esquecem rápido, e após o genocídio psicológico bastava algum período de tempo e uma nova rede, para funcionar como mais uma droga de alegria temporária; o controle da internet foi o real estopim. As redes por anos trabalharam juntas aos governos com a venda de informações privadas, mas agora esses não precisavam mais disso, muito pelo contrário. A internet começou a ser controlada, os dados eram livres para streamings, porém em ambientes com a possibilidade de postagens, nem tanto. Os fóruns e demais redes onde se podia criar posts e divulgar informações com facilidade, fossem elas verdadeiras ou não, foram controladas por completo. No período de 2 horas diárias você poderia postar materiais em suas redes; pacotes com maior tempo de duração são até hoje caros e mais usados por produtoras multimídias, canais de tv e rádios. Caso fosse postado algo identificado como falso ou denunciado como danoso, não era apenas sua conta que instantaneamente era bloqueado, sua internet por meio de seu cpf era bloqueado. Ninguém ousou mais, não era lucrativo e nem benéfico aos antigos grupos propagarem informações questionáveis e ficar, por tempo indeterminado, sem as demais vantagens da internet.
Deixo dito que não sei até onde posso opinar sobre esse controle, ainda nem nos recuperamos do que passamos, basta olhar para nosso sócio econômico para vermos a nítida fase de recuperação. Não adianta evoluirmos apenas no econômico, a prática não é igual a teoria, o retorno não é certo, independente de iniciativa privada ou estatal. No café da manhã, se conectada a rede, recebemos na mesa notícias sobre economia, juros e projeções… Nada nos impulsiona mais a irmos ao trabalho do que saber que as contas irão apertar, não é mesmo?
Quando me questionam sobre esse colapso, sobre o controle da internet, sou sincero ao dizer que não sei, pois segue difícil viver, mesmo com toda a tecnologia ainda nos falta muita coisa. Em 2020 era mais fácil ter celulares com 3G do que saneamento básico, estamos em 2057, e ainda não temos saneamento em todas as cidades. Os direitos fundamentais ainda são capengas, mas a tecnologia está aí… Hoje usamos e dependemos muito mais da Ásia do que dos Estados Unidos, nossos eletrônicos já vem direto de lá, são mais baratos, mas acessíveis, nos permite seguir com o entretenimento mesmo com todas as dificuldades. Talvez seja bom que não tenhamos mais redes sociais, creio que nos afundaríamos novamente nelas, buscaríamos acreditar e cometer os mesmos erros. Somos cíclicos, gostamos de voltar a onde erramos. Mas não sei… Nada é certo.
Precisamos garantir o amanhã.”